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Mostrando postagens de 2017

Não somos especiais

Não, não somos especiais. Bem que gostaríamos de sê-lo. Toda a nossa existência e nossas relações intersubjetivas estão muito calcadas nessa pretensão. As pessoas não gostam de se imaginar como seres comuns, submetidos às leis e regras genéricas que se aplicam a todos ou, pelo menos, à maioria. Gostamos de nos sentir diferenciados, apartados da plebe, da massa e do vulgo. Geralmente buscamos justificativas explícitas ou tácitas para demonstrar que não nos confundimos com o resto e que aquilo que rege suas vidas não deve se aplicar a nós. E quando nos sentimos tendo o que quer que seja em comum com a maioria lutamos ardentemente para escapar a essa condição. Gostamos de privilégios, de estar em evidência, de receber tratamento VIP e de usufruir daquilo que a maioria não dispõe. No Brasil, principalmente, há uma cultura forte no sentido de crer que a regra só se aplica a quem não consegue de alguma forma fugir dela. As leis são para os que não podem escapar ao seu cumprimento. Nos

Frustração

Em tempos onde só se pode divulgar o sucesso, a frustração é um sentimento que todos querem evitar. Ela nos faz recordarmos das nossas limitações, de que não somos tão bons quanto gostaríamos e nem somos capazes de vencer tanto quanto desejamos. Ela é um lembrete constante da nossa finitude, nossa incapacidade de determos o controle total sobre aquilo que se passa em nossas vidas e à nossa volta. Nos frustramos por não obtermos tudo o que desejamos, por não vencermos todas as disputas nas quais nos envolvemos, por não obtermos o reconhecimento por aquilo que fazemos, por não termos tempo suficiente para nos dedicarmos às pessoas e às atividades que prezamos. Enfim, nos frustramos por tudo aquilo que escapa entre nossos dedos sem que sejamos capazes de segurá-lo de alguma forma. Nos culpamos mesmo tendo em mente que muitas dessas vezes não tínhamos condições de garantir o sucesso. Nos culpamos porque de alguma forma sentimos que o resultado deveria ser diferente e não conseguimos

Quanto mais tenho certeza, menos quero dialogar

As convicções são inimigas do diálogo. Se alguém acredita estar imbuído de razão indiscutível a respeito de algo, dificilmente se abrirá ao diálogo. O diálogo é para quem aceita a possibilidade de verdade também no discurso do outro, quem está disposto a realmente colocar as suas convicções à prova. É algo bastante paradoxal quando observado com maior proximidade: quanto mais óbvia parece uma verdade a alguém, menos essa pessoa está disposta a defendê-la dentro de um debate aberto, alegando que seu ponto de vista é tão nítido e claro, portanto incabível de discutir. E quem o contraria certamente renunciou à razão ou está agindo de maneira mal intencionada. Ou seja, o argumento se volta para desqualificar o oponente e não as suas ideias. O outro vira inimigo e indigno de crédito a partir do momento em que discorda em algo considerado relevante. As pessoas confundem debate com bate-boca. Troca de argumentos, com troca de ofensas. Como se a verdade pudesse ser imposta por meio da fo

Vício

Não nos viciamos apenas em drogas, jogos ou pessoas. Viciamos também em sensações. Principalmente em sensações. As sensações nos remetem a um sentimento de plenitude e satisfação, ou pelo menos afastam o mal estar, e isso por si só já nos causa um certo anestesiamento, um alívio para o desconforto de viver. Vício é tudo aquilo que não conseguimos deixar de fazer. O grande triunfo do vício é nos tirar a autonomia, a nossa capacidade de agir de acordo com nossas próprias escolhas, conscientemente. Para além dos diversos males que cada vício pode causar, este é o primeiro e o principal deles. Ele tira a nossa dignidade, nossa capacidade de agir conforme aquilo que conscientemente definimos para nós. Faz com que nos tornemos autômatos, agentes que só se direcionam com o intuito de sanar aquilo que o vício nos impõe. Vai minando pouco a pouco a nossa capacidade de decidir, e nos tornamos subalternos, incapazes de ter vontade própria. A busca daquela sensação primeira, aquela que nos t

Onde há um motivo, tudo passa a ser permitido

A política e a religião evidenciam algumas das piores facetas do ser humano. A justificativa para viver e uma verdade indubitável na qual se amparar também acabam por definir bons motivos para matar e outros tantos para se desmerecer e hostilizar o outro. A convicção de pertencer ao lado correto, o lado do bem, o verdadeiro, tranqüiliza a mente das pessoas para as maiores barbaridades. O homem geralmente não tem medo de praticar atrocidades, ele tem medo é da consciência pesada. Havendo um bom motivo, a consciência se apascenta e ele é capaz de conviver consigo mesmo independentemente dos atos praticados. Desde os homens-bomba aos nazistas, dos supremacistas raciais aos paladinos da liberdade em geral, sejam eles de direita ou esquerda, em todos os casos o que se percebe claramente é a ilusão de verdade. Aquela ilusão que a tudo justifica, que transforma a maldade em justa motivação. Qualquer ato encontra algum tipo de justificação que se julga coerente. Obviamente existem inúmer

Zona de Conforto e Zona de Risco

Abandonar a zona de conforto virou um grande jargão ultimamente, utilizado em larga escala tanto no sentido profissional quanto no pessoal. Todos os gurus, coaches e conselheiros em geral, de qualquer especialidade, recomendam. O discurso já está tão introjetado nas pessoas que ninguém mais parece discordar que isso seja algo positivo e que auxilia as pessoas a se tornarem melhores no que quer que seja. No entanto, o efetivo exercício de sair dessa zona que nos parece tão cara, por mais que a ela sempre nos refiramos negativamente, é algo bem mais complicado do que pode aparentar a princípio. A zona de conforto é a nossa área de segurança, o conhecido, onde estamos estabelecidos e nos sentimos de certa forma no controle. Não significa que seja algo que nos faça bem ou que gostemos de estar nela, mas sim uma situação onde podemos prever os eventos, mesmo que negativos. E deter um certo grau de compreensão a respeito daquilo que se refere a nós e ao nosso mundo nos é muito agradável,

O animal e a linguagem

Aristóteles definiu o ser humano como um animal racional e dotado de linguagem. A questão de ser racional já foi amplamente explorada e mesmo utilizada para colocar a nossa espécie como superior ao resto dos animais, mas o segundo aspecto da definição aristotélica ainda é pouco considerado e não goza do mesmo grau de importância atribuído ao primeiro. Para o filósofo, a linguagem permite aos homens deliberar sobre o certo e o errado, o justo e o injusto. Desta forma, a linguagem permitiria aos seres racionais trocarem percepções entre si e construírem juntos um mundo comum que pudesse trazer o convívio harmônico e, com isso, a sociedade ideal. Infelizmente esse fator tão preponderante no ser humano não foi tratado com toda a seriedade com que se tratou a racionalidade durante todo o nosso progresso histórico. Se a racionalidade, aliada à técnica, construiu maravilhas e mesmo aberrações que ao mesmo tempo nos enchem de admiração e temor, com a linguagem parece que ainda estamos enga

Rodrigo Hilbert e o macho vitimista

Refletir, tarefa difícil

Nossos pensamentos nos vêm à mente mesmo sem nos darmos conta deles. Por isso, quando se trata de pensar de maneira crítica sobre as coisas, principalmente nos dias tão conturbados em que vivemos, achamos que rapidamente seremos capazes de encontrar uma saída fácil e rápida para aquilo que nos aflige. Engano. A reflexão exige um desdobramento que nem todos se encorajam realmente a fazer. Questionar é enfrentar problemas, desenterrar fantasmas e encarar nossas próprias limitações. O homem não reflete por prazer e sim para solucionar questões que o afligem, por isso a atitude reflexiva apesar de parecer algo simples, nos causa tanto desconforto e a maioria prefere não fazê-la constantemente. Alguns a evitam a qualquer custo. Quem se dedica a essa atividade seja por hobby ou profissão é considerado um sobre-humano ou alguém com algum tipo de problema. Desta forma, rapidamente vemos que as pessoas tendem a aceitar soluções “mágicas” oferecidas por qualquer oportunista em vez de assum

A teoria da evolução e o nosso orgulho ferido

Charles Darwin deu um verdadeiro tiro no nosso orgulho ao propor a teoria da evolução das espécies. Pensar que não possuímos uma origem divina ou totalmente separada do resto dos animais que habitam este planeta nos incomoda imensamente. Não queremos nos comparar com o resto dos seres com quem convivemos, a não ser para confirmar a nossa superioridade. A modernidade através de Descartes cunhou o termo “ser racional” para definir o ser humano, substituindo o termo aristotélico “animal racional”, que já conferia a nós uma certa diferenciação em relação aos outros animais, mas ainda nos conservando entre eles. A palavra SER nos coloca num degrau mais elevado, faz parecer que quando se fala do ser humano não nos referimos a nenhum animal como os outros, mas de uma entidade imaterial. Algo que possui um corpo parecido com os demais, no entanto sua verdadeira essência está em algo mais elevado, em sua alma, sua intelectualidade etérea e inacessível ao restante das espécies do planeta.

Sobre mitos e super-heróis

Ser alguém comum nos incomoda imensamente. Sentimos necessidade de nos sentirmos especiais e gostaríamos que os outros assim também nos vissem. Nos diluir na multidão parece ser sinônimo de aniquilação da nossa individualidade. Um duro golpe no nosso ego sempre oscilante e carente de autoafirmação. Esta talvez seja uma das explicações para o sucesso das histórias de super-heróis desde a antiguidade. Assim como um jovem grego qualquer deveria sonhar com a possibilidade de acordar um belo dia e descobrir-se filho de um deus e que todas as suas angústias perante o mundo e sua falta de adequação ao que o cercava se devia justamente a sua estirpe elevada, sua meia-parte divina e, portanto, superior ao resto dos reles mortais dos quais ele se envergonhava de certa forma, mas que a partir de então seria motivo de inveja alheia e de admiração de todos aqueles que antes o olhavam com ar de repreensão, também os jovens atuais parecem sonhar com o dia em que se perceberão superiores e de algu

Tédio versus Admiração

A raiz do tédio é o enfado. Começa a entediar-se aquele para quem a vida se tornou óbvia, sem brilho e nem mistérios. Num mundo com tantas explicações e facilidades isso parece cada vez mais fácil de acontecer, as pessoas perdem o interesse por tudo com grande rapidez. A vida, as coisas, os relacionamentos, tudo se assemelha a um chiclete que em pouco tempo perde o açúcar e nos deixa com a sensação de estar mastigando uma borracha sem gosto para a qual logo procuramos um lugar para descartar. A vida cada vez mais restrita e mesquinha favorece demais este sentimento tão prejudicial ao nosso desenvolvimento pessoal, social e mesmo cognitivo. Pessoal porque ao reduzir o mundo a um conjunto fechado de explicações e possibilidades não nos esforçamos para tornar a vida algo mais do que aquilo que ela nos apresenta, a transcender o que nos é dado e permanecemos na mesmice. Depois culpamos a existência pela nossa falta de iniciativa. Social porque impede que invistamos nas relações de mane

Miséria humana e a crueldade naturalizada

Vivemos em uma constante sensação de prejuízo. Sempre achamos que estamos perdendo de alguma forma e que nos encontramos numa constante luta para não sermos os derrotados. Viver parece uma constante disputa entre um bando de pessoas que estão todas no fio da navalha, umas competindo com as outras num estado de “guerra de todos contra todos” para se manterem de pé, para garantirem o mínimo para a sobrevivência e um pouco de conforto, que não estão disponíveis a todos. A miséria humana em tal cena nos coloca frente a frente com um cenário lastimável: todos perdendo e ao mesmo tempo se esforçando para estar numa situação menos degradante que a dos outros. E para isso, cada um deixa de lado o sentimento de compaixão e alteridade para fazer valer o seu próprio interesse em detrimento do dos demais, na mais firme convicção de que os outros também estão agindo desta forma, cada qual não hesitando em prejudicar o outro para não ser por ele prejudicado. Um festival de pequenas agressões q

Liberdade e escolhas

O problema da verdade

O Eu e o Outro

Nossa busca pelo outro é tão intensa quanto nossa repulsa por ele. Somos seres que gostam de companhia, de estar próximos a outros e com eles trocar experiências em todos os sentidos. Porém, a presença do outro nos remete ao encontro conosco mesmos e com todas as características que só ele é capaz de nos apontar. Características que nem sempre gostaríamos de reconhecer em nós mesmos. O outro também nos força a tentar nos aprofundar na arte da convivência, de estabelecer linhas de comportamento e conduta para que todos passam coabitar minimamente em paz no espaço comum. E dadas as inúmeras divergências que as pessoas apresentam entre si não é preciso dizer o quanto esse esforço até hoje ainda não colheu todos os frutos que desejava a princípio e parece que ainda está longe de fazê-lo. Esta ainda continua sendo a tarefa hercúlea da ética. Nosso Eu ainda tão centrado em si tem dificuldade de estabelecer mecanismos de convivência em que todos possam caber de maneira igualitária. E a

Controle emocional e autoconhecimento

Por que temos tanta dificuldade em lidar com os nossos sentimentos e emoções? Por que mesmo depois de tantas descobertas a respeito daquilo que nos rodeia ainda possuímos tanto distanciamento daquilo que se refere ao nosso ser mais íntimo? Somos estranhos dentro da nossa própria casa, lidamos com nosso corpo e mente como se eles nos fossem alheios. Mergulhar para dentro de si é lançar-se ao encontro de muitas coisas que não queremos encarar. Nos acostumamos ao fingimento constante, muitas máscaras que nos oferecem uma suposta segurança e nos afastam do angustiante encontro com o nosso Eu mais profundo, aquele que nos encanta menos do que nos aterroriza, nos desvela e faz com que percebamos a nossa profunda solidão e o quanto o limiar da sanidade e da loucura, da razão e da bestialidade, da bondade e da atrocidade nada mais é que uma fina linha que pode se romper com um leve sopro no seu ponto mais frágil. No fundo dessa camada superficial que sustenta a nossa personalidade social

O mundo ficou chato? Reflexões sobre o politicamente correto e o mimimi

Apresentação de Café Filosófico

Café Filosófico

Preconceito - Vídeo 01 - Gênero