Charles
Darwin deu um verdadeiro tiro no nosso orgulho ao propor a teoria da evolução
das espécies. Pensar que não possuímos uma origem divina ou totalmente separada
do resto dos animais que habitam este planeta nos incomoda imensamente. Não
queremos nos comparar com o resto dos seres com quem convivemos, a não ser para
confirmar a nossa superioridade.
A
modernidade através de Descartes cunhou o termo “ser racional” para definir o
ser humano, substituindo o termo aristotélico “animal racional”, que já conferia
a nós uma certa diferenciação em relação aos outros animais, mas ainda nos
conservando entre eles. A palavra SER nos coloca num degrau mais elevado, faz
parecer que quando se fala do ser humano não nos referimos a nenhum animal como
os outros, mas de uma entidade imaterial. Algo que possui um corpo parecido com
os demais, no entanto sua verdadeira essência está em algo mais elevado, em sua
alma, sua intelectualidade etérea e inacessível ao restante das espécies do
planeta.
Sugerindo
a evolução das espécies, Darwin quebra todo esse encanto megalomaníaco e nos
coloca novamente com os pés no chão, nos fazendo enxergar não nossas diferenças
e sim as semelhanças com tantas outras espécies. Que nossa diferença se dá
apenas no fato de termos nos adaptado melhor ao meio, aproveitando as
oportunidades e contando um pouco com a sorte em dados momentos e que para a
natureza essa particularidade não representa necessariamente um avanço
significativo, apenas mais uma das tantas variações possíveis no campo das
adequações evolutivas que as mais variadas espécies arranjaram para continuar
sobrevivendo. A natureza não trabalha com a ideia de superioridade.
Para
além das explicações religiosas, que conferem ao homem uma origem diferenciada
ou superior ao restante da criação, com mais direitos e mesmo com privilégios
em comparação aos demais, o que se percebe nitidamente é o desdém com o qual
nos referimos às demais espécies e a nossa resistência a nos igualarmos a elas
em qualquer aspecto. Atividades como defecar, acasalar ou a agressividade
sempre são revestidas de um caráter sagrado, ocultadas ou colocadas em segundo
plano de alguma forma para que não deixe transparecer a nossa similaridade
evidente com qualquer outro animal. Defecar nos iguala, é preciso que o pudor
nos faça fazer isso escondido. Acasalar nos iguala, é preciso estabelecer todo
um ritual, regras, para que este ato não seja comparável ao comportamento do
restante das espécies. Agredir nos iguala, é preciso conter a raiva e
estabelecer locais, jogos, padrões sociais dizendo onde e como isso se torna
algo aceitável.
Com
isso tudo queremos nos convencer de que não temos nada que possa fazer crer que
num passado remoto possuíamos um ancestral comum com um símio ou qualquer
espécie que seja. Sugerir um parentesco mesmo que distante com um macaco é uma
ofensa grave demais para quem quer ser considerado imagem e semelhança de Deus.
Preferimos acreditar que somos uma singularidade do Universo, poeira das
estrelas, frutos de experiências realizadas por alienígenas ou qualquer outra
coisa que nos confira alguma dignidade e que nos afaste de uma origem comum
para com tudo o que vemos sobre a Terra.
Enquanto
não nos sentirmos igualmente frutos deste planeta e de certa forma ligados a
toda forma de vida que nele habita, dificilmente alimentaremos sentimentos verdadeiros
de respeito e preservação. Dilapidamos os recursos naturais porque não nos
sentimos parte de tudo o que nos rodeia. Julgamos que estamos aqui de passagem
e que nossa presença representa algo de elevado, incondizente com a realidade
que nos cerca, imperfeita e regida pelas leis naturais. Por isso tanta
indignação com a figura de Darwin. Ele ousou usar da ciência, que acreditávamos
nossa revelação máxima de distanciamento dos outros animais, para nos
demonstrar que estamos mais próximos dos animais do que imaginávamos. Cometeu o
máximo sacrilégio, e nos expulsou do paraíso novamente. Só que desta vez parece
não haver mais retorno.
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