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Refletir, tarefa difícil

Nossos pensamentos nos vêm à mente mesmo sem nos darmos conta deles. Por isso, quando se trata de pensar de maneira crítica sobre as coisas, principalmente nos dias tão conturbados em que vivemos, achamos que rapidamente seremos capazes de encontrar uma saída fácil e rápida para aquilo que nos aflige. Engano. A reflexão exige um desdobramento que nem todos se encorajam realmente a fazer. Questionar é enfrentar problemas, desenterrar fantasmas e encarar nossas próprias limitações.
O homem não reflete por prazer e sim para solucionar questões que o afligem, por isso a atitude reflexiva apesar de parecer algo simples, nos causa tanto desconforto e a maioria prefere não fazê-la constantemente. Alguns a evitam a qualquer custo. Quem se dedica a essa atividade seja por hobby ou profissão é considerado um sobre-humano ou alguém com algum tipo de problema.
Desta forma, rapidamente vemos que as pessoas tendem a aceitar soluções “mágicas” oferecidas por qualquer oportunista em vez de assumir a responsabilidade pela construção lenta e conjunta das soluções que almejam. Esperam que tudo seja facilmente resolvido com o apertar de um botão ou com uma pílula mágica que faça com que os problemas se desfaçam instantaneamente.
Todo tipo de conhecimento que depende necessariamente de um exercício reflexivo mais apurado encontra muita dificuldade de ser desenvolvido e de encontrar adeptos realmente engajados em empreender tamanho esforço. Nossa cultura da facilidade sufoca todo tipo de disposição nesse sentido. Portanto, quando se fala de filosofia, por exemplo, logo se imagina belas frases de efeito, mesmo que descontextualizadas, algumas frases até ditas por poetas ou escritores de outras áreas de atuação. Uma verdadeira salada de referências esparsas e sem um eixo norteador que leve realmente a uma forma mais apurada de pensar.
A beleza dessa forma de conduzir o pensamento está justamente em acompanhar a forma que esses autores, os filósofos no caso, tiveram de abordar a realidade, sua metodologia, sua estratégia, a maneira que cada um achou ou inventou de tocar o real e daqui extrair novas formas de atribuir sentido ao mundo ou a um determinado aspecto da vida humana. Ao comparar essas diferentes maneiras de olhar e interpretar a realidade perceber a força e as limitações de cada metodologia e extrair para si uma leitura nova de mundo. Isso sim é um verdadeiro processo reflexivo.

Pode não ser o caminho mais fácil, nem de longe o é. Também não é o mais rápido e pode ocupar um tempo com o qual se poderia estar realizando uma série de outras atividades mais lucrativas ou mais reconhecidas socialmente. Mas certamente nenhuma outra nos torna mais conscientes de nós mesmos, de nossa forma de conceber o mundo e mesmo de nossas limitações pessoais, temporais, históricas e sociais. Essa atividade pode ainda não nos tornar pessoas mais felizes, como alguns pensadores antigos supunham. Entretanto, dificilmente encontraremos alguém que tenha realizado adequadamente todo o processo e se arrependa de ter chegado onde chegou ou que troque o estágio alcançado por qualquer patamar de ignorância no qual ele próprio ou outro se encontra. O fruto do conhecimento muitas vezes é amargo, no entanto ninguém abre mão de continuar saboreando-o depois de prová-lo.

Comentários

  1. Augusto, refletir, creio eu, é degustar os pensamentos, permitindo que esses nos conduzam à uma decisão avaliada e objetiva. Apreciei o seu texto, esclarecedor, pena que este exercício sadio, a reflexão, não faça parte da vida da maioria dos seres humanos. Abraços.

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  2. Um pouco pessimista. Mas com uma boa observação.

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  3. Realmente a reflexão às vezes é uma fruta amarga.

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