As convicções são
inimigas do diálogo. Se alguém acredita estar imbuído de razão indiscutível a
respeito de algo, dificilmente se abrirá ao diálogo. O diálogo é para quem
aceita a possibilidade de verdade também no discurso do outro, quem está
disposto a realmente colocar as suas convicções à prova.
É algo bastante paradoxal
quando observado com maior proximidade: quanto mais óbvia parece uma verdade a
alguém, menos essa pessoa está disposta a defendê-la dentro de um debate aberto,
alegando que seu ponto de vista é tão nítido e claro, portanto incabível de discutir.
E quem o contraria certamente renunciou à razão ou está agindo de maneira mal
intencionada. Ou seja, o argumento se volta para desqualificar o oponente e não
as suas ideias. O outro vira inimigo e indigno de crédito a partir do momento
em que discorda em algo considerado relevante.
As pessoas confundem
debate com bate-boca. Troca de argumentos, com troca de ofensas. Como se a
verdade pudesse ser imposta por meio da força, da intimidação. Nossa fraca
experiência democrática não nos deixa perceber que o discurso é a maneira pela
qual as verdades e as concepções de mundo vão se delineando e tomando corpo,
ficando visíveis aos outros e a nós mesmos. E, uma vez tomado corpo no mundo,
essas concepções ficam à mercê dos olhos e ouvidos alheios, dando a eles o
direito de questionar, se opor, rejeitar, validar ou não. Mas também isso deve
ser feito mediante um outro discurso.
Na construção coletiva de
discursos, ora convergentes, ora divergentes, a sociedade vai ganhando os seus
contornos. Essa dança, algumas vezes cadenciada, outras vezes hostil constitui
o núcleo saudável da disputa entre as várias pretensões de verdade que permeia
a malha social.
Infelizmente, para
muitos, isso impede a imposição de uma única verdade e compromete a afirmação
de sua convicção particular, tida como a mais correta. E num movimento covarde
para evitar o enfrentamento no campo da discussão argumentativa, lançam mão de
subterfúgios para minar esses espaços de diálogo e criam mecanismos para que
sua visão de mundo possa se impor por meio da força, da lei ou da tradição.
Neste cenário caótico,
ainda há os que dizem que o enfrentamento armado é o único meio de criar
condições para um novo cenário de democracia e diálogo. No entanto, será que
aquilo que se adquiriu pela força pode se converter em um espaço de trocas discursivas
respeitoso e imparcial?
Um projeto firme e
duradouro só pode ser criado e mantido com base numa construção argumentativa
sólida e consistente. Sólida o suficiente para se abrir ao contraditório e
resistir, crescer e amadurecer com ele. Mas num cenário de disputas constantes
onde o discurso quer se afirmar por outros mecanismos talvez esse projeto ainda
seja um sonho distante, até mais distante do que a nossa atual geração possa
ser capaz de esperar para ver.
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