Pular para o conteúdo principal

A prostituição nossa de cada dia

É muito comum ouvirmos comentários sobre como a vida das prostitutas deve ser penosa e vazia. E não é para menos: alugar o corpo e ficar a mercê do outro por um determinado tempo, ceder às vontades dessa pessoa e se colocar na condição de objeto. Algo realmente muito degradante. Mesmo pensando que muitas recebem um alto valor por seus serviços, isso não parece desfazer totalmente a sensação de que essa prática configura algo indesejável e aviltante.
Porém, observando melhor essa condição que a maioria considera humilhante também poderíamos formular a seguinte pergunta: não é isso que também nós, cidadão comuns fazemos todos os dias ao sair de casa rumo aos nossos empregos? Rotina estressante, submissão a uma série de regras que não escolhemos e às quais temos que nos curvar, uma relação custo-benefício na qual sempre temos a impressão de que estamos perdendo...
Também colocamos nossos corpos à disposição de um patrão ou uma empresa por um determinado tempo todos os dias, e somos pagos para fazer muita coisa que não gostaríamos, que nos irrita, causa nojo, repulsa, indignação. Às vezes reclamamos para os amigos, ou só para nós mesmos, às vezes com o tempo perdemos até mesmo a habilidade de reclamar, nos anestesiamos. Entretanto, mesmo exaustos dessa condição degradante não deixamos de nos submeter a essa rotina por considerá-la um mal necessário.
Nesse aspecto, somos também prostitutos. Vendemos não só o nosso corpo como também muitas vezes nossas almas, nossos sonhos, nossas convicções e nossa dignidade. Tudo mediante a um pagamento que julgamos pouco, mas que não queremos viver sem.
Teremos mais pena delas ou de nós mesmos e de nossa condição? Quem será que sofre mais? Quem se vende mais? Quem recebe melhor? Talvez o que devêssemos fazer é darmos nossas mãos a elas e assumirmos que estamos juntos no mesmo barco, cada um a seu modo, cada qual se vendendo de uma maneira. Não somos nem melhores e nem piores, apenas a nossa prostituição tem o respaldo da sociedade, a delas não. E esse respaldo seria para nós alguma vantagem ou só mais um jeito de nos conformar?
Às vezes parece que o cidadão comum é só mais um na calçada, rodando sua bolsinha e esperando algum trocado para colocar seu corpo e mente à disposição e ser o objeto de alguém. Sua culpa, desilusão e remorso só se tornam menores porque no fundo de seu desespero ele se apóia na máxima (feita pelos patrões) que diz que “o trabalho dignifica o homem”.

Comentários

  1. Parabens, soou prostituta e me identifiquei no seu texto ;)

    ResponderExcluir
  2. De certa forma todos nós somos, só que de maneiras diferentes. Obrigado pela apreciação!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Por que o diferente incomoda?

Vivemos em um mundo globalizado, nitidamente multicultural, multifacetado, onde diversas perspectivas e visões de mundo interagem o tempo todo. Convivemos o tempo todo com pessoas que possuem gostos, preferências, ideias, visões de mundo muito diferentes das nossas e muitas vezes até batemos no peito para enfatizar a “beleza” dessa diferença entre as pessoas. Mas será que esse discurso de exaltação da diferença é mesmo genuíno? A diferença é para nós o tempero que deixa a vida mais saborosa ou aquilo que justamente amarga as nossas bocas e nos tira o bom humor? Quando se pensa nas intermináveis guerras de torcida, acusações entre as igrejas e seus membros sobre qual seria a “mais verdadeira”, a que não “serve ao inimigo”, e outras alegações afins, nos partidos políticos que não se entendem e elevam suas divergências para além do bem da população pela qual deveriam zelar, além de outros tipos de preconceitos quanto ao gosto musical, estilo de se vestir, classe social, cor de pele, orie...

Refletir, tarefa difícil

Nossos pensamentos nos vêm à mente mesmo sem nos darmos conta deles. Por isso, quando se trata de pensar de maneira crítica sobre as coisas, principalmente nos dias tão conturbados em que vivemos, achamos que rapidamente seremos capazes de encontrar uma saída fácil e rápida para aquilo que nos aflige. Engano. A reflexão exige um desdobramento que nem todos se encorajam realmente a fazer. Questionar é enfrentar problemas, desenterrar fantasmas e encarar nossas próprias limitações. O homem não reflete por prazer e sim para solucionar questões que o afligem, por isso a atitude reflexiva apesar de parecer algo simples, nos causa tanto desconforto e a maioria prefere não fazê-la constantemente. Alguns a evitam a qualquer custo. Quem se dedica a essa atividade seja por hobby ou profissão é considerado um sobre-humano ou alguém com algum tipo de problema. Desta forma, rapidamente vemos que as pessoas tendem a aceitar soluções “mágicas” oferecidas por qualquer oportunista em vez de assum...

Vivendo de passado

É interessante perceber como boa parte das pessoas ao sentirem-se oprimidas ou receosas quanto ao presente ou ao futuro sempre acabam por se refugiar no passado. O futuro é incerto, o presente muitas vezes é desfavorável, mas o passado já aconteceu, não pode mais voltar, e quando ele não nos traz boas recordações pode facilmente ser moldado consciente ou inconscientemente para se adequar às nossas expectativas e nos parecer melhor do que foi realmente. Refugiar-se no passado oferece segurança e consolo para aqueles que têm medo de encarar a vida e seus percalços, pois no passado encontram uma zona de conforto, onde os acontecimentos desagradáveis podem ser repensados e melhorados de forma a parecer que não foram tão ruins assim, que serviram de aprendizado, que de alguma forma se justificam e que o passado foi bem melhor do que os dias atuais ou mais sólido do que as perspectivas voláteis do futuro. Com base nessa forma de pensar passam a exaltar os antigos amores, o comportamento do...