Pular para o conteúdo principal

O amor ao outro e a falta de amor próprio

É muito comum ouvirmos as pessoas que buscam um relacionamento amoroso dizer que procuram “alguém que as façam felizes”, a sua “outra metade”, “sua alma gêmea” ou algo assim. Isso tudo supõe uma incompletude por parte de quem busca, pois quem quer sua outra metade é porque se sente somente “meio” e não algo inteiro, assim como quem busca alguém que a faça feliz indiretamente diz que por si só não consegue ser feliz, não consegue dar felicidade a si mesma. A “alma gêmea” é um pouco ainda mais complexa, porque supõe que exista alguém que seja uma parte de nós andando por aí, e que quando a encontrarmos seremos plenos em todos os sentidos, visto que essa pessoa nos compreenderá e nos satisfará completamente, pois sendo parte de nós, irá nos compreender tanto quanto nós mesmos, ou até melhor, e não nos decepcionará de forma alguma.
Porém, alguém que não consegue dar a si mesmo todo tipo de satisfação ou felicidade, dificilmente encontrará outro que o faça. E fazer do outro o responsável por essa empreitada é exigir demais desse outro, fazendo dele o único responsável caso algo não saia como planejado, ou, pelo menos, o maior culpado.
E se o outro também for assim, e alimentar com relação a mim toda a expectativa que tenho para com ele, como será? Alguém que não consegue trazer completude para si próprio conseguirá completar a vida de outrem? É justo cobrar do outro aquilo que eu próprio não posso me proporcionar? E se o outro também começa a exigir de mim toda a satisfação que ele almeja, serei capaz de proporcionar? Não será o padrão, tanto meu quanto o do outro, sempre superior àquilo que um ser humano comum pode oferecer?
As desavenças e problemas nos relacionamentos costumam começar justamente neste ponto, quando se começa a exigir do outro um padrão daquilo que é o “meu” ideal. E por achar que o outro é minha metade perdida, quero que ele tenha verdadeiras habilidades paranormais: adivinhar meus gostos, meus pensamentos, minhas angústias e que satisfaça cada desejo meu de uma forma que me faça sentir numa total plenitude. Cada vez que o outro me desaponta, meu sentimento de amor próprio e de auto-estima fica abalado, pois meu sentimento por mim mesmo é calculado com base no quanto o outro me reconhece e me satisfaz.
Aquilo que eu mesmo não consigo me dar, eu exijo que o outro me dê. Eis a fórmula do fracasso. Mesmo as pessoas que dizem amar demais e se entregar completamente ao outro, no fundo querem com isso ser também recompensadas com um amor e dedicação na mesma medida. E fazem do amor ao outro um grito de ajuda, um pedido para que o outro também as veja como objeto de amor, carinho e cuidado.
Enquanto não formos capazes de fazer do outro um acréscimo e não algo que vem para preencher o nosso vazio interior, estaremos fadados aos relacionamentos mal sucedidos. Se existe mesmo alguém perfeito por aí, porque essa pessoa se interessaria por outra totalmente desestruturada, desesperada por achar alguém em quem se apoiar e depositar os seus anseios e problemas mal resolvidos? Essa pessoa se interessaria por mim? Por você que está lendo? Não sei. Que atrativo eu ou você temos para chamar a atenção dessa pessoa? Você se interessaria por alguém com o seu perfil? Se sim, parabéns. Se não, talvez seja a hora de investir em si mesmo antes de procurar em outro a muleta para os passos que você não consegue dar com os seus próprios pés.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que o diferente incomoda?

Vivemos em um mundo globalizado, nitidamente multicultural, multifacetado, onde diversas perspectivas e visões de mundo interagem o tempo todo. Convivemos o tempo todo com pessoas que possuem gostos, preferências, ideias, visões de mundo muito diferentes das nossas e muitas vezes até batemos no peito para enfatizar a “beleza” dessa diferença entre as pessoas. Mas será que esse discurso de exaltação da diferença é mesmo genuíno? A diferença é para nós o tempero que deixa a vida mais saborosa ou aquilo que justamente amarga as nossas bocas e nos tira o bom humor? Quando se pensa nas intermináveis guerras de torcida, acusações entre as igrejas e seus membros sobre qual seria a “mais verdadeira”, a que não “serve ao inimigo”, e outras alegações afins, nos partidos políticos que não se entendem e elevam suas divergências para além do bem da população pela qual deveriam zelar, além de outros tipos de preconceitos quanto ao gosto musical, estilo de se vestir, classe social, cor de pele, orie...

Refletir, tarefa difícil

Nossos pensamentos nos vêm à mente mesmo sem nos darmos conta deles. Por isso, quando se trata de pensar de maneira crítica sobre as coisas, principalmente nos dias tão conturbados em que vivemos, achamos que rapidamente seremos capazes de encontrar uma saída fácil e rápida para aquilo que nos aflige. Engano. A reflexão exige um desdobramento que nem todos se encorajam realmente a fazer. Questionar é enfrentar problemas, desenterrar fantasmas e encarar nossas próprias limitações. O homem não reflete por prazer e sim para solucionar questões que o afligem, por isso a atitude reflexiva apesar de parecer algo simples, nos causa tanto desconforto e a maioria prefere não fazê-la constantemente. Alguns a evitam a qualquer custo. Quem se dedica a essa atividade seja por hobby ou profissão é considerado um sobre-humano ou alguém com algum tipo de problema. Desta forma, rapidamente vemos que as pessoas tendem a aceitar soluções “mágicas” oferecidas por qualquer oportunista em vez de assum...

Vivendo de passado

É interessante perceber como boa parte das pessoas ao sentirem-se oprimidas ou receosas quanto ao presente ou ao futuro sempre acabam por se refugiar no passado. O futuro é incerto, o presente muitas vezes é desfavorável, mas o passado já aconteceu, não pode mais voltar, e quando ele não nos traz boas recordações pode facilmente ser moldado consciente ou inconscientemente para se adequar às nossas expectativas e nos parecer melhor do que foi realmente. Refugiar-se no passado oferece segurança e consolo para aqueles que têm medo de encarar a vida e seus percalços, pois no passado encontram uma zona de conforto, onde os acontecimentos desagradáveis podem ser repensados e melhorados de forma a parecer que não foram tão ruins assim, que serviram de aprendizado, que de alguma forma se justificam e que o passado foi bem melhor do que os dias atuais ou mais sólido do que as perspectivas voláteis do futuro. Com base nessa forma de pensar passam a exaltar os antigos amores, o comportamento do...