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Tédio, mudança e verdades


Vivemos num mundo entediado, onde o ritmo das mudanças tem que ser cada vez mais acelerado porque as pessoas não são capazes de suportar o contato consigo mesmas, carecendo, assim, de meios que as afastem da incômoda autopercepção. Os aparelhos eletrônicos, drogas, álcool, redes sociais, festas e tudo o mais em vez de serem formas de distração se tornaram maneiras de se evitar o olhar para dentro de si, para o abismo que cada um guarda em seu inconsciente, e por medo de confrontá-lo opta por evitá-lo. Em tempos onde só a alegria pode ser compartilhada, a tristeza, o tédio e a existência comum deve ser ocultada a qualquer preço. Todos têm que postar as fotos das festas onde vão, da comida, da banda, da turma, sair de casa com “os melhores”, se ficar em casa postar fotos do que está fazendo... Nossa existência tem que ser objeto de observação alheia, e atraente o suficiente para ser curtida e invejada. A mudança deve ser constante para justificar as atualizações no perfil, na falta de mudanças as fotos antigas são postadas novamente ou curtidas pela própria pessoa para voltar à página inicial. Nessa corrida para permanecer em evidência, as pessoas se tornam cada vez mais deprimidas, pois parece humanamente impossível ter toda a alegria que as pessoas divulgam principalmente nas redes sociais. E quem acredita que é possível atingir esse estágio de realização permanente, passa a viver em função dessa utopia, afastando-se cada vez mais do contato consigo mesmo em pró de uma imagem mutável e mutante, que muitas vezes leva a uma descaracterização tão extremada que só poderá ser revertida com algum tipo de acompanhamento psicológico. O mais contraditório disso tudo é que as pessoas fazem o possível para afastarem-se de si próprias, e depois acabam por se sentirem carentes de sentido para a vida e também de autoconhecimento. E no fim, a maioria opta por algum tipo de ajuda que conforte, mas que também não proporcione um conhecimento exagerado de si, pois saber demais deprime, e sinceramente, o que se procura é um novo meio de satisfação, uma verdade que conforte mais do que esclareça.

Comentários

  1. Amei, realmente essa é a realidade!

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  2. Amei. ....Simplesmente Verdade!

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  3. E o que será que acontece quando se escolhe mergulhar neste "abismo profundo" que existe dentro de cada um de nós. Até quando suportaríamos a queda? Esse buraco tem fim? Augusto este texto é interessantíssimo e põe a gente pra pensar. Valeu!!!

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    Respostas
    1. É, Edson Ricardo, a queda no nosso próprio abismo pode não ser uma experiência que todos conseguiriam realizar numa boa, talvez por isso tanta gente busque refúgio nesses distratores variados que vemos em todo canto. Heidegger achava que o "desvelar do ser" era um processo constante e cada vez mais profundo, mas que não poderia ser acabado, acho que ele tinha razão, talvez não possamos chegar ao âmago de nós mesmos por mais que nos esforcemos. Mas uma vida na qual se foge de si mesmo e se pauta a própria existência com na opinião alheia e na forma como o outro te enxerga é uma vida inautêntica e absurda. Abração!!!

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  4. Bacana, gostei de seu artigo.
    Abraços
    Ivete
    http://aprendacomanet.blogspot.com.br/

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