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Relacionamentos: jogos de prazer e jogos de poder

Tudo sempre começa muito bem. São as trocas de carícias, elogios e gentilezas; são os passeios de mãos dadas e as juras de amor eterno e fidelidade até que a morte os separe e tudo o mais. Todo mundo já passou por essas experiências ou, pelo menos, já as presenciou alguma vez a vida. A maioria dos relacionamentos que estão começando possui esta base comum. Porém, logo alguém certamente há de ressaltar que isto é típico do começo, e que rapidamente este tipo de comportamento dará lugar a um outro, também muito usual entre os casais, de transformarem a própria vida e da do outro em um verdadeiro inferno. As boas atitudes cedem a vez à insensibilidade e ao desrespeito mútuo. Tudo que havia de bonito parece ruir e escoar aos poucos para fora da relação. E o interessante é que os que isso presenciam já esperam por este desfecho, ou seja, a ideia corrente sobre os relacionamentos é que eles são uma coisa bonita, no entanto fadados a um fim deprimente. Uma espécie de tragédia anunciada.
É difícil dizer as causas exatas que levam a essa ruína dos relacionamentos, mas se é possível uma visualização mais global da situação, pode-se notar que no começo os relacionamentos são pautados no prazer. O prazer de estar com o outro, de tentar agradar, de ser cordial, de demonstrar afeto, de realizar todas as trocas mútuas que vão dando aquela vontade de permanecer indefinidamente na companhia um do outro. Entretanto, num determinado momento esta harmonia de repente é quebrada por um fato qualquer, seja ele grave ou não, e as relações vão mudando de características e se tornando relações de poder. Cada um procura realizar pequenas sabotagens ao parceiro, mesmo sem perceber-se disto, e o parceiro na maioria das vezes responde da mesma forma, gerando um ciclo interminável de agressões mútuas que podem levar ou não ao término da relação e que desgasta a ambos de maneira lamentável.
Essas sabotagens estão contidas em atos corriqueiros, como comentários indevidos, não realização de tarefas acordadas, pequenos atos que se sabe irão deixar o outro de mau humor e por aí vai... Essas atitudes sempre vêm seguidas do comentário, mesmo que silencioso, que diz: “Ele(a) não fez tal coisa? Então agora eu é que também tenho o direito de fazer aquilo”. Este é apenas um entre tantos exemplos possíveis, mas na base de tudo está a sensação de que se foi lesado de alguma forma e que se tem o direito de infligir ao outro um pouco do mal que ele também nos fez. Só que nessa guerra de acusações e pequenas sabotagens acaba-se por se perder a causa original do conflito, não a solucionando e cada vez mais aumentando-se a quantidade de lamúrias e pretensas ofensas a retribuir ao outro, e sempre um vai achar que está em desvantagem em relação ao outro, tendo com isso o direito de pressioná-lo um pouco mais e impor-lhe mais uma ofensa ou castigo.
E aquilo que havia começado como uma espécie de parceria e companheirismo acaba por se tornar uma acirrada competição, cada um a seu modo, tentando alfinetar o outro aos poucos e mostrar-lhe o quanto foi ruim a ofensa recebida e o quanto essa pessoa também possui o poder de infligir dor, uma dor que tem por objetivo muitas vezes fazer com que o outro sinta como ele foi mau primeiramente e que ele deixe de impor essa pressão sobre o primeiro. Mas quem sente a dor dificilmente recebe isso como um pedido de cessar-fogo por parte do parceiro, sente que foi agredido e precisa reagir à altura, por medo de, caso deixe sem resposta, ceder espaço e poder ao outro, que parece estar claramente tentando destituí-lo de seu lugar natural e relegá-lo a um lugar de submissão dentro do relacionamento. Só que ao reagir, acaba provocando o mesmo sentimento por parte do companheiro, que reage novamente à altura, e com isso as intrigas e mesquinharias só aumentam e o que deveria ser bom para os dois acaba por se tornar o martírio de ambos. Por fim, a história que começou como uma linda cena de mãos entrelaçadas encerra-se como uma ferrenha queda de braço.

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