A vida não vem com um
manual de instruções. Bem que gostaríamos que ela viesse, mas ela não vem. Por
isso passamos boa parte de nossa existência pura e simplesmente tentando achar
um sentido para direcionar as nossas forças e energias. Temos necessidade de
verdades, de explicações que nos pareçam indubitáveis e confiáveis para guiar
os nossos passos. No entanto, a vida parece sentir prazer em nos deixar sempre
com uma certa desconfiança a respeito de tudo o que nos cerca e de todas as explicações
que nos são apresentadas.
Viver é caminhar no
escuro, e cada explicação é uma lanterna que nos mostra uma possibilidade de
sentido. Porém, cada lanterna possui uma coloração diferente e pinta o mundo
que nos apresenta com nuances que não sabemos até que ponto refletem as
características desse mundo ou da própria luz por ela emanada. A explicação não
só desvenda a realidade, ela também a constrói a sua maneira e de acordo com a
sua própria lógica. A lógica da explicação seria a mesma da realidade a qual
ela tenta explicar? Dúvida cruel!
Temos que depositar
nossas fichas em alguma dessas possibilidades, caso contrário não conseguimos
nos organizar, nos movimentar, nos relacionar com o mundo a nossa volta. Todavia,
assim como num jogo, corremos o risco de a sorte a qualquer momento nos levar
essas fichas e nos deixar desamparados depois de tanto investimento em uma
certa maneira de ver o mundo. O fato de tanto a palavra “ilusão” quanto
“desilusão”, apesar de opostas, possuírem conotação negativa em nossa cultura
nos dá uma dimensão do nosso desamparo em relação a este tema. Viver com base
numa ilusão é ruim, mas perder essa ilusão e dar de cara com o absurdo também
não é nem um pouco prazeroso. Rapidamente buscamos uma nova maneira de nos
organizarmos no mundo e dar sentido a ele. A falta de sentido nos devora a
alma. É a dor de um vazio que precisa ser preenchido a qualquer custo.
Dentre as possibilidades
de respostas, as absolutistas são as mais atraentes, pois não deixam espaço
para a dúvida e querem se mostrar como as únicas possíveis num ambiente onde
tantas opções se apresentam. Oferecem uma garantia bastante chamativa para quem
não quer ficar trocando de modelo constantemente. Entretanto, num mundo com
tanta diversidade e que necessitamos conviver com as diferenças essa maneira de
ver o mundo cada vez mais se torna pouco plausível e propensa a um
comportamento intransigente, às vezes até violento com aqueles que não
compartilham da mesma visão. Relativizar é preciso!
Por outro lado, este ato
tão necessário para a boa convivência entre os diferentes pontos de vista
possui como efeito colateral esvaziar um pouco da nossa convicção em nossas
verdades particulares e mesmo do grupo ao qual pertencemos.
No final, aqueles que
conseguem se esclarecer o suficiente percebem que sua verdade é uma escolha
pessoal ou cultural, tão boa ou limitada quanto qualquer outra, mas com uma
carga de afeto que a faz parecer mais aprazível e coerente que as demais. Essa forma
de ver as coisas nos faz sermos mais complacentes com as verdades alheias, mas
também nos deixa mais inseguros quanto às nossas próprias verdades. Talvez seja
o preço a se pagar para viver em paz com os outros e suas diferenças, e eles
com as nossas.
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