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Queremos companhia

As pessoas querem companhia, direta ou indiretamente. Quando falamos de nossas concepções políticas, religiosas ou o que quer que seja, queremos compará-las com as de nosso interlocutor e procurar outros que compartilhem da mesma visão de mundo que nós. Mesmo aqueles que não gostam muito da companhia alheia se sentem incomodados por existirem pessoas que pensam de maneira muito diferente da sua, ainda que não haja nenhum contato direto entre elas. A simples existência desse ser humano tão oposto já é o suficiente para causar um certo desconforto.
Dizemos muitas vezes que procuramos ter a nossa própria identidade, que não nos importamos com a opinião alheia e que cada um deve seguir a sua vida como achar melhor. No entanto, não é raro perceber o quanto as pessoas se apressam a julgar o comportamento alheio e a fazerem um discurso de como seria o mundo ideal, ignorando que isso já pressupõe uma visão a respeito de como o outro deveria se comportar para que o meu mundinho fosse mais aprazível para mim, de acordo com o meu gosto pessoal, o qual eu considero que seja o mais razoável e não apenas o meu ponto de vista particular.
Podemos até querer que o outro respeite o nosso grau de diferença em a ele. Porém, inevitavelmente queremos regular o quanto ele se diferencia em relação a nós. Não fosse assim não veríamos tantos líderes religiosos e fanáticos de todo tipo entrando para a política para tentar impor mediante leis aquilo que não conseguem fazer por força de persuasão. Não basta ter uma visão de mundo, é preciso fazer com que ela se afirme como a melhor entre todas.
Poucos são aqueles que possuem uma postura de desapego autêntico pela postura do outro ou que não queiram fazer dele uma continuação ou apoio para si. E mesmo essas pessoas precisam de um ambiente onde o outro também permita que eles sejam assim, pois se você é diferente num lugar ou numa sociedade onde a regra é a uniformização do comportamento não importa o quanto você seja tolerante, a intolerância alheia vai atingi-lo.

E mesmo essa pessoa tranquila, no fundo de sua alma pacífica e tolerante, nessa hora de sufoco por perceber que seu modo de ser não é aceito e que querem à força modificá-lo, desejará, inevitavelmente, que houvesse mais gente como ele para facilitar suportar a ideia de ser tão ímpar e incômodo aos olhos dos demais. Um companheiro pode não aliviar o peso do fardo, mas reduz um pouco a solidão de carregá-lo.

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