O ENEM 2015 despertou
algumas questões latentes em nossa sociedade e que, como é hábito em nossa
cultura, sempre empurramos para debaixo do tapete os postergamos o seu
enfrentamento à luz de um debate mais aprofundado. Para além da discussão sobre
a igualdade de gênero e da violência contra a mulher, também se fez nítida a
percepção sobre o quanto os nossos representantes, tanto políticos quanto
religiosos, tanto quanto a população em geral estão pouco embasados para
debater de forma madura e saudável os temas elencados.
O que mais choca nas
discussões a respeito da necessidade ou não de se abordar este tema na
avaliação ou do uso político que dele possa se ter feito não é a abordagem
passional que se vê nas ruas ou na Internet, visto que são lugares onde não se
espera muito de quem emite seu parecer a respeito disso. O que mais provoca
desalento de ambos os lados é ver supostos intelectuais ou pessoas que deveriam
ter um conhecimento além do senso comum a respeito do tema digladiando sem
muitos argumentos além daqueles que se percebe na multidão em geral, ou seja,
estamos muito mal no que ser refere a representantes.
A falta de uma boa
formação, que se ressalta o tempo todo quando se fala em certas posturas do
povão em geral podem ser direcionadas sem nenhum prejuízo a políticos,
pastores, intelectuais em geral tanto da direita quanto da esquerda brasileira.
Um dos últimos casos que se pode analisar para demonstrar a veracidade dessa
afirmação é a aprovação da moção de repúdio aprovada pela câmara legislativa de
Campinas. Numa sessão que mais se assemelhava a um espetáculo circense, pois palhaçadas
de todo tipo não faltaram, vereadores que em seus nomes tinham acoplados o
título de professor e pastor falaram abertamente e demonstraram que não são
capazes de fazer uma simples interpretação de texto, pois as cinco ou seis
linhas do texto de Simone de Bauvoir (que todos pronunciaram o nome errado) é
muito simples de se compreender para quem cursou um Ensino Médio de qualidade
mediana. Para quem se propõe a dar aula, como um professor, ou a fazer exegese
de textos escritos a mais de dois mil anos e direcionar uma comunidade, como um
pastor, era de se esperar um domínio ainda maior do que esse. Mas o que se viu
tanto dos que defendiam quanto dos que acusavam o uso desse trecho foi um
verdadeiro festival de equívocos e uma postura mais típica de torcida de
futebol do que de debatedores.
No congresso nacional não
foi muito diferente, Jair Bolsonaro comparou o texto aos casos de corrupção na
Petrobrás (tudo a ver), considerando-o tão grave quanto ou até mais. Só se
esqueceu de dizer que o seu partido é o que tem mais políticos apontados como beneficiários
do esquema e, portanto, também parte do problema ao qual ele tanto diz
combater. Marco Feliciano, por sua vez, também manifestou repulsa ao texto, com
argumentos que um adolescente bem informado poderia rebater com prontidão. É estranho
perceber que quem diz zelar pela família, pela ética, e pelos direitos dos “verdadeiros
humanos” não acharem relevante que se trate da violência contra a mulher numa
redação que atinge a tantos jovens. Será que essa família que eles dizem que
defendem não se importam pelo fato de grandes cidades estarem tendo que criar
vagões específicos para mulheres, para evitar o assédio? De que até hoje
mulheres são mortas pelos companheiros e ex-companheiros que não aceitam a
separação ou não acham que a mulher possa recomeçar sua vida com outra pessoa? Que
ainda existam homens que consideram a mulher como um objeto e propriedade sua? Que
esses homens frequentam igrejas e outros locais de cultos e podem ser pelo
menos persuadidos a adotarem uma postura diferente e, por conta desse
posicionamento retrógrado de líderes religiosos podem se sentir justificados e
apoiados nesse comportamento violento?
Talvez isso seja pedir
demais dos nossos representantes, que parecem estar mais preocupados em legislar
sobre o corpo alheio do que realmente encarar os problemas e a corrupção em
todos os aspectos dentro da sociedade, de seus partidos, suas igrejas e suas
famílias. Por fim, todos são unânimes em dizer que o Brasil precisa de mais
educação, mas ninguém acha que precisa de mais educação do que já tem. A
educação é para o outro, e educar significa, para a maioria, fazer o outro começar
a pensar igual a mim.
Texto muito lúcido! Num momento em que meu sentimento mais recorrente é a "vergonha alheia", uma reflexão mais profunda, distanciada do senso comum, faz-se urgentemente necessária!
ResponderExcluirObrigado, Juliana. Vivemos tempos de esclarecimento por conta do "ruminar" de temas que antes não eram discutidos. Porém, também presenciamos a falta de argumentação consistente e o latente preconceito que ainda vigora em nossa sociedade.
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