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Brasil: Uma breve leitura

Em 2013 uma onda de protestos tomou conta do país, e um dos slogans utilizados pela multidão era “o gigante acordou”. De certa forma isso tinha um fundo de verdade e até hoje podemos perceber os reflexos positivos desse “despertar”: questões que antes não eram tão discutidas e de interesse público passaram a fazer parte das discussões em família, grupos de amigos e conhecidos e principalmente ainda povoam largamente as redes sociais.
Porém, uma outra realidade também foi descortinada com essa retomada de discussões a respeito de temas que tanto dizem respeito ao interesse geral quanto suscitam a mais diversas abordagens: a cada discussão, seja ela em casa, nas ruas ou na Internet fica escancarado que o gigante acordou com raiva, abalado, sedento por melhorias e soluções para as mazelas antigas e recentes. Mas esse gigante é incapaz de perceber que ele é um semianalfabeto, massa de manobra que se escolarizou precariamente e foi induzido a pensar que está habilitado a observar a realidade e traçar raciocínios claros mesmo sem analisar profundamente as questões abordadas. Ele não possui nenhuma tradição em democracia e não sabe dialogar com as diferenças ideológicas, almejando a total aniquilação de toda a contrariedade que possa haver ao seu modo de pensar e agir.
A verdade é que somos uma nação de hipócritas, corruptos, intolerantes e paranoicos. Não entendemos o que são os direitos humanos e dizemos que eles só protegem os bandidos, queremos democracia, mas só aquela em que o único ponto de vista aceitável seja aquele do qual compartilhamos, falamos com propriedade sobre política, economia e relações internacionais e nem ao menos procuramos, em plena era da informação, nos informar um pouco além do senso comum para realmente termos propriedade e profundidade naquilo que falamos. Apontamos o dedo para o Oriente Médio e a África para criticar a situação da mulher nesses lugares, e fechamos os olhos para a precariedade da situação delas na nossa vizinhança onde o seu papel ainda é secundário e seus direitos, assim como o dos negros, gays e todas as minorias são desrespeitados cotidianamente da maneira mais escancarada e covarde possível.
Mas falar de direito das minorias é “vitimização”. Um gay não pode manifestar sua afetividade como um hétero faz porque é agressivo, é querer ter mais direito do que os demais. Uma mulher não pode reivindicar direitos iguais pelo mesmo motivo. Entretanto, esses mesmos indivíduos que acusam tais fatos, são os que se dizem oprimidos por serem héteros, machos e brancos, impedidos de tratar suas mulheres como objetos, aos negros como escravos e sub-humanos e aos gays como anormais. Nesse momento poderíamos perguntar: quem está se fazendo de vítima? Quem nunca teve direitos e está reivindicando? Ou quem sempre esteve na vantagem e agora não quer que se equipare a situação?
Na política, nosso discurso ainda está preso ao contexto da Guerra Fria, ainda enxergando “comunismo” em qualquer intervenção estatal que favoreça aos mais desvalidos. Mas ninguém se levanta para questionar o rombo que a sonegação provoca no país, ou as ajudas estatais aos bancos, empresas e todo o dinheiro público que vai para bolsos particulares. O povo sente desprezo pelo povo. Assim como no século dezenove, onde ex-escravos que tinham posses adquiriam escravos também para demonstrar status, a classe média e baixa almeja que os outros apodreçam, na esperança de um dia sair dessa condição de miseráveis e se identificar com a chamada “elite”. Elite a nossa que também está longe de ser um grupo do qual se inveje alguma coisa, pois na sua maioria consiste de um grupo economicamente favorecido, mas com uma mentalidade medíocre e habituada, à maneira colonial, a viver às custas do governo estabelecido e dele dependente em muitos aspectos.

Somos uma nação em tudo pobre, ou quase tudo, carente de um salto qualitativo em todos os aspectos, incapaz de perceber sua própria incoerência, que clama por paz enquanto anseia por sangue. Somos um povo carente, doente e mal-educado, e isso, ao contrário do que muitos sugerem, não é uma praga trazida pelo atual governo ou foi por ele ampliado de maneira estrondosa. É simplesmente um sintoma de séculos, agravado continuamente, do qual nossa atual gestão é só mais um complemento. 

Comentários

  1. (....) não sabe dialogar com as diferenças ideológicas....



    percebi isto em mim mesma há algum tempo
    é muito difícil e complicado este tipo de diálogo
    me sinto em desvantagem......sem conseguir achar um norteador para meus sentimentos como cidadã

    ultimamente sinto-me cansada,
    ouvir, ver, pensar e viver a realidade social,política e religiosa para mim está se tornando tarefa desgastante
    sinto-me correndo em circulo

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    Respostas
    1. É, Susan, é muito difícil mesmo se situar no meio desse turbilhão todo. Estamos o tempo todo correndo o risco de, ao tentar tomar uma posição e ajudar a resolver o problema, estarmos sendo usados como massa de manobra para um grupo mascarar sua responsabilidade e tentar fazer de nós sua ferramenta para subir ao poder e manter a mesma política de sempre, só que agora com a roupagem de algo pretensamente novo, ético e representativo da vontade popular.

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