Pular para o conteúdo principal

Heroísmo e mediocridade


Num mundo cercado pela mediocridade, obter destaque no que quer que seja significa automaticamente se tornar alvo de ataques de tipos variados. Aliás, no grau de mediocridade em que nos encontramos qualquer tipo de atitude, por mais banal que seja, é divulgada como algo extremamente extraordinário e digno de nota. Há quem poste fotos do almoço, da festa com os amigos, quem se vanglorie das menores coisas e até mesmo de pequenos atos de vandalismo ou indisciplina escolar para se autopromover. Não há mais grandes feitos heroicos do que se orgulhar, por isso qualquer atitude, por mais corriqueira que seja, adquire ares de grandiosidade e ousadia. Vivemos num mundo estagnado e anestesiado, onde as pessoas não querem se arriscar demais em suas vidas, a não ser para exagerarem nas drogas, nas bebidas, rachas ou discussões inférteis pela Internet. Mas todas essas atitudes, por mais que pareçam exageradas e subversivas, no fundo escondem um profundo tédio existencial, um cansaço de si mesmo e uma ânsia de anestesiamento de quem não mais é capaz de suportar sóbrio o absurdo da existência. Num mundo onde há tempos os grandes discursos perderam sua força e o que vigora são os pequenos fundamentalismos, as velhas estruturas esfacelando-se e o vazio da antiga busca de sentido para a vida, o ser humano anseia por novos ares ainda sem se desfazer totalmente dos antigos modelos, estáticos, absolutizantes e unilaterais. O que resta então são os pequenos prazeres levados ao extremo ou a novidade que nada acrescenta, mas que é assumida como o refúgio seguro para o mal de existir. Almejamos a grandiosidade dos tempos heroicos, que talvez nunca tenham existido factualmente, mas não nos dispomos a sair do conforto do lar para alcançarmos isso. A palavra “esforço” parece ter sido amaldiçoada pela atual geração, não só pelos jovens, mas também pelos mais velhos. Tudo tem que ser resolvido rápida e facilmente, com o simples apertar de um botão ou o ingerir de uma pílula. Se demorar ou for difícil não vale mais a pena. Pensar a longo prazo virou uma ofensa. Assim, uma contradição até agora insolúvel se instalou entre nós: ou nos aceitamos como seres medíocres e sem expressão, e deixamos de fazer de conta que nossas pequenas atividades diárias são feitos memoráveis, ou então, e isso é bem mais difícil, deixamos de lado as pequenas futilidades do dia a dia e realmente nos embrenhamos num tipo de existência que de fato tenha algo de destaque, em qualquer sentido, e do qual possamos nos orgulhar com veracidade, não apenas que seja uma cena que possa ser compartilhada numa rede social qualquer.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A "verdadeira história" e a lacração da extrema direita

 Ultimamente a extrema direita percebeu um fato importante, não há comprovação factual ou registros daquilo que eles propagandeiam pela internet aos altos brados, como se se tratassem de verdades reveladas e que de tão preciosas foram propositalmente escondidas dos olhos do grande público. São fatos que supostamente confirmariam todo o seu rosário de alegações, a prova de toda a farsa que supostamente a esquerda teria enfiado nos livros de História e que passaria a limpo o Brasil, trazendo uma nova luz e uma perspectiva totalmente revisada de todo o conhecimento construído, propagado e tomado como verdade tanto pela academia como pelas pessoas comuns. No entanto, um fator interessante se coloca. Ninguém sabe apontar onde estaria essa tão importante fonte de provas que provocaria a reviravolta tão anunciada. Sempre que é feita a indagação a respeito desse ponto as respostas são sempre evasivas e sem fundamentação. Geralmente se diz que a esquerda distorceu os fatos e que construiu u...

O orgulho da burrice

A maioria da população possui um conhecimento limitado a respeito das coisas. Qualquer um concorda com isso. No entanto, ninguém concorda que esteja inserido dentro desta maioria. Podemos comparar esta situação com na leitura do Mito da Caverna, de Platão, que sempre lemos na crença de que somos como o prisioneiro liberto e esclarecido, e nunca como aquele que permanece na escuridão da ignorância, rejeitando quem verdadeiramente vem nos oferecer um caminho para sair da caverna das ilusões. Descartes, sabiamente disse que “o bom senso é a coisa mais bem distribuída de todas. Todos acham que a possuem em quantidade suficiente e ninguém acha que precisa obter mais”. Certamente ele deve ter dito isto com a intenção de debochar da nossa suposição de estarmos certos em tudo o que fazemos, pois dificilmente alguém acha que precise ter mais noção das coisas do que já tem. Todos querem mais dinheiro, conhecimento, reconhecimento, tudo. Menos ter mais bom senso. Este nos parece estar sempre...

Disputa presidencial: uma tragédia anunciada

A atual disputa presidencial denuncia o quanto somos parciais e mal formados. Prezamos certas características e desprezamos outras, e nos espelhamos em quem parece que compartilha dessas mesmas aspirações. E quando vamos para o campo político, que encaramos como um embate entre torcidas rivais, isso chega a patamares estratosféricos. Comecemos pelos candidatos com maior intenção de votos, ambos respondendo criminalmente na condição de réus. Os dois já condenados e aguardando um parecer definitivo após recorrerem das decisões judiciais. Ainda assim possuem seguidores fiéis que os apontam como mártires da moralidade e da preocupação com o bem comum. Cada ato deles é recebido como algo vindo de uma esfera sobrenatural e que não comporta nenhum tipo de contradição, sob pena de se desqualificar a pessoa que critica sob os mais variados adjetivos pejorativos. São seres além da compreensão dos humanos comuns e só aqueles que os seguem sabem verdadeiramente o verdadeiro teor de suas máxim...