Estamos sempre tão envolvidos com nossas concepções e visões de mundo que muitas vezes não percebemos a contradição implícita no nosso discurso cotidiano, principalmente sobre temas que nos interessam ou nos afetam diretamente. Quando se trata de política, religião ou algum tema tido como fundamental em nossas vidas, a situação se torna ainda mais evidente.
Facilmente vemos pessoas se traindo ao falar de suas concepções como óbvias e exigindo o máximo rigor na fundamentação do discurso alheio, ou então apontando pontos problemáticos no pensamento dos outros como inadmissíveis, mas totalmente condescendente com as contradições apresentadas dentro do seu próprio pensamento ou concepção de qualquer cunho.
No âmbito político e econômico, podemos ver as pessoas ridicularizando esquerdistas, direitistas, conservadores, liberais, comunistas, capitalistas etc... como se estivessem de um ponto onde não pudessem ser atingidas por nenhum tipo de crítica, e se essas críticas aparecem, são rebatidas não com argumentos contrários para reafirmar a veracidade daquilo em que se acredita, mas primeiramente com uma série de subterfúgios que nada acrescentam à discussão ou então com várias acusações sobre o caráter de quem levanta as críticas e suas supostas intenções malévolas. Na religião não é diferente, e mesmo os mais moderados são muito taxativos em relação ao fanatismo das outras religiões, mas acha justificável certos abusos por parte daqueles que professam religião igual ou próxima da sua, vendo que, no fundo, as intenções de quem as cometeu são “justas” ou pelo menos “bem intencionadas”.
A partir disso não nos espantamos quando percebemos a apatia dos partidos políticos quando um membro de sua coligação comete algum ato ilícito ou antiético, até mesmo tentando justificar suas atitudes de alguma forma para não prejudicar o grupo e desequilibrar o “jogo” político. Ou então a passividade com que assistimos a invasão de missionários em tribos indígenas para evangelizá-los com base na troca de favores, oferecimento de remédios ou outra benfeitoria para que os mesmos se tornem cristãos, contaminando sua cultura, já que são motivados por “boas intenções”. Ainda temos aqueles que apoiam a truculência da polícia ou a depredação por parte de manifestantes sem nenhuma atitude crítica, simplesmente porque se acredita que um lado ou outro agiu conforme uma causa legítima... E se a mídia mostra mais o meu lado do que o do outro, ela está “apenas relatando os fatos”, se faz o contrário, está “mascarando a verdade” e alienando o povo.
Daí se percebe a total infantilização mesmo dos grupos sociais organizados, que se encontram condições favoráveis, afloram, mas se encontram cenários adversos, começam a fazer “birrinha”: o governo tem que olhar mais para mim do que para o outro, a mídia tem que retratar mais o mau lado do que o do outro, favorecer mais minha religião do que a do próximo, meu padrão sexual, meu modelo familiar...
E num sistema democrático a máxima parece ser a seguinte: se a maioria está comigo, a oposição é recalcada; se a maioria está contra são um bando de baderneiros, esfomeados que vendem o voto ou não aprenderam o básico para escolher bem, ou perderam os verdadeiros valores da sociedade, família ou o que quer que seja. E sendo assim, como nos campinhos de várzea, se sou o dono da bola e o jogo não me agrada, simplesmente pego a bola e deixo os outros sem ter condições de prosseguir; se não sou, saio xingando todo mundo e tentando convencer mais gente a vir comigo, dizendo que quem permaneceu no campo não sabe o verdadeiro valor do esporte.
UM TEXTO MUITO RICO. PARABÉNS PELAS CONSIDERAÇÕES, SOB UM OLHAR CRÍTICO PERANTE O MUNDO.
ResponderExcluirTexto rico e muito culto, que carrega questões que revelam o nível de hipocrisia das pessoas quando se trata de mostrar se o " dono da verdade ". O que revela o lado egoísta das pessoas em querer ser sempre o " correto" ganhando o destaque quando se menospreza sem argumentos as outras " verdades".
ResponderExcluirÓtimo texto.Parabéns! Esta situação é um dos círculos viciosos da humanidade.NUNCA haverá mudança,todos os dias nascem filhos de políticos,religiosos e ateus que serão ensinados a dar continuidade as opções morais,políticas,sociais e religiosas de suas famílias.A guerra ou conflito continuará pela eternidade neste planeta.Grupos sociais organizados com as mais diversas crenças e filosofias políticas convivem há milhares de anos neste planeta sem dono.Ou com vários donos?
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