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Em busca de sentido


Costumo dizer sempre que o universo não se explica para nós, somos nós que vamos ao encontro das coisas tentando atribuir-lhes um significado. O problema é quando percebemos que algumas explicações já consolidadas tornam-se tão imponentes que as pessoas se esquecem do caráter arbitrário das mesmas, ou seja, são criações nossas, pessoais ou culturais, com as quais procuramos acessar a realidade e ditar um rumo para nossas ações no mundo. Quando falamos de religião, ciência ou qualquer outro mecanismo de organização da realidade, estamos nos referindo a tentativas humanas de organizar a realidade e dali tirar um roteiro seguro para nossas ações, para o conhecimento, relações humanas, enfim, para dar um sentido ao caos que permeia a nossa breve passagem por esta vida, tão atribulada pela autoconsciência, a percepção que nos distingue dos outros animais, mas que, ao mesmo tempo, faz com que nos sintamos tão alheios ao resto dos seres que habitam este planeta e tão isolados mesmo em relação aos outros de nossa mesma espécie. Se uma certa dose de ignorância e ingenuidade nos faz muitas vezes fundamentalistas em relação ao nosso ponto de vista em detrimento dos demais, o esclarecimento exagerado do quanto nossas teorias e crenças são apenas as nossas criações, nossas formas de tentarmos afastar o medo do absurdo de existir, também nos tornaremos céticos demais para nos dedicar a qualquer ideal ou algo que faça com que nossa existência seja mais suportável. Poucos são os que conseguiriam suportar a ideia de absurdo com um sorriso nos lábios e a paz em seu interior. Mas o meio termo, que talvez pudesse ser a melhor opção entre esses dois extremos, estaria situado em que ponto entre ambos? Se a ingenuidade nos faz simplórios e manipuláveis e só a verdade realmente liberta, como diz o trecho bíblico, convém fazer aquela pergunta indiscreta que Nietzsche já nos lançava há mais de um século: “Quanta verdade somos capazes de suportar”?

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