É só ligarmos o televisor em qualquer canal e sempre nos deparamos com o mesmo tipo de cena: a maior parte do noticiário é composta por notícias negativas e são exploradas de forma exaustiva casos em que crimes foram cometidos com extrema crueldade. E não podemos reclamar só da ênfase dada pelos noticiários a esse tipo de notícia, pois se elas veiculam com mais frequência certamente é porque atraem mais a atenção do telespectador do que outras menos graves ou contundentes.
Ao mesmo tempo em que chocam, esses crimes causam um grande fascínio sobre o público em geral, uma espécie de aberração que, apesar de tudo, parece tão fascinantemente humano que nos levam a questionar até que ponto nós também não estamos sujeitos a esse mesmo tipo de comportamento. Talvez o que mais choque nesses casos é perceber que eles foram cometidos por gente comum, que poderia ser algum vizinho nosso, um parente, um companheiro, um filho, um pai ou nós mesmos. Nada de substancial parece nos separar dos criminosos mais perversos, todos eles possuíam muito daquilo que nós possuímos também. Apenas tiveram a coragem ou a falta de preocupação com as consequências que nós muitas vezes tivemos para não cometer algum tipo de ato tido socialmente como repreensível. Então nos colocamos secretamente o questionamento: será que eu também sou, pelo menos um pouco, assim?
Prova disso é quando falamos ou ouvimos alguém dizer em face de algum acontecimento que causou grande comoção e o bandido foi preso, que se fôssemos nós no lugar dele certamente teríamos sido mais cuidadosos neste ou naquele aspecto e que o bandido foi um tanto descuidado ou desprovido de inteligência. Alguns instantes depois, uma pergunta nos vem a mente: será que eu então seria, dependendo das circunstâncias, um bandido até pior do que aquele?
Não defendo aqui que o cidadão comum deseje em seu íntimo ser um criminoso atroz, mas no fundo de seu ser cada um sente que uma fera espreita e que é necessário cuidar para que ela não fuja, pois, ao contrário do que se diz, os atos bárbaros não são nem um pouco desumanos. Eles são sim extremamente humanos, tipicamente humanos. O ser humano dispõe não só de força física como também de potentes armas e inteligência avantajada para premeditar todo o mal que deseja infligir ao outro, e é capaz de atingir um grau de crueldade que nenhum outro animal sequer consegue imaginar. E isso faz dele uma fera pior do que qualquer outra. A única trava que o segura, na maioria das vezes, são os valores que cultiva e o temor das possíveis punições legais. Algo bastante frágil e que pode ser rompido a qualquer momento dadas as circunstâncias e o caráter de cada um.
Por isso, nos sentimos tão incomodados diante da crueldade alheia: ela é tão assustadoramente humana que nos leva a desconfiar do outro e de nós mesmos, buscando um refúgio que nos faça ficar apartados das más intenções alheias e um antídoto que prenda dentro de nós a negatividade que nos habita tal qual a história do médico e o monstro de R. L. Stevenson.
Foda é que a sociedade como sociedade do espetáculo produz o tempo todo o alimento mental de que as massas necessitam.
ResponderExcluirAntigamente, no coliseu ou em centro de lutas bárbaras como as que existiam, contavam com a presença de milhões de pessoas sedentas por corpos expostos, violência ao vivo, sangue e morte
E o avanço tecnológico parece ter abstraído a vida de tal modo, que nosso âmbito mais escuro do instinto selvagem, do inconsciente bestial, ficou preso, sufocado, e agora tende a querer arrebentar os grilhões que nos prendiam.
Estamos selvagens, e ficamos cada vez mais fissurados pela exploração da vida dos outros. De forma que tudo isso virou um grande espetáculo de vida e morte, e a grande maioria, repleta de órgãos, sangue à vista de qualquer indivíduo, jovem, velhos e crianças.
Temo pela barbárie que possa explodir numa sociedade tão frágil como a nossa no caso de uma crise daquelas de derrubar trocentos bancos, e que o Estado não vai poder fazer nada para manter a ordem!
MANO, Fujam para as colinas!