De uns tempos pra cá tenho procurado tomar muito cuidado com os chamados coitadinhos. Quem já leu o filósofo Nietzsche deve ter percebido como ele trata brilhantemente desse tema em alguns de seus textos. Sua crítica, que no começo nos soa um tanto indigesta e mal vinda, depois de algum tempo e de algumas considerações mais aprofundadas, nos fazem perceber o quanto nos iludimos e nos desviamos daquilo que acreditamos estarmos realmente fazendo.
No que se refere aos coitadinhos, muitas vezes tentando ajudar e sermos caridosos, prestativos, humanos, não nos damos conta que, ao nos acharmos superiores, mais bem posicionados social e intelectualmente que eles, acabamos por dar-lhes a entrada que os mesmos precisam para se instalarem em nossas vidas e se tornarem os nossos senhores e comandantes. Isso mesmo, eu disse que eles é que passam a nos comandar.
Veja bem: imagine aquela pessoa que te pede ajuda e te diz que você pode ajudá-lo porque você é mais competente, mais inteligente, mais isso e mais aquilo do que ele (ou ela), e assim, usando de argumentos de ordem emocional, toca o seu ego ou a sua compaixão e faz com que você se sensibilize e o ajude. Não que isso seja um mal em si, não há nada de mal em ajudar a quem precisa. Porém, existem certos casos que se tornam recorrentes, verdadeiros hábitos, e aquele que ajuda, sem perceber, acaba por se tornar o escravo do coitadinho. Melhor dizendo, o coitado passa a ser aquele que ajuda, e não o que está sendo ajudado.
Não quero aqui defender um ponto de vista elitista, porém é fato que algumas pessoas acham que é obrigação do outro ajudá-las. Jogando com o fato que o outro pode ajudar e ainda assim não o faz, ou que o outro é um “bom homem”, visto que se preocupa com as mazelas alheias, os coitadinhos vão se apropriando de nossas vidas, e seja para que possamos ter a sensação de que realmente somos pessoas boas, para não sermos mal vistos, para despertar uma boa impressão nos outros dentre outros fatores de ordem egoística ou social, sempre acabamos cedendo e nos tornando consciente ou inconscientemente os objetos e utensílios dos coitadinhos.
E no final, achando que temos a obrigação de contribuir e colaborar para diminuir a dor alheia acabamos por nos enredar em teias das quais dificilmente sairemos. E mesmo quando conseguimos nos desvencilhar dessas amarras, nossa consciência, já corroída pelas tramas da culpa incutida pelos “coitadinhos” durante o tempo em que sugaram nosso sangue pode até nos atormentar e nos deixar em dúvidas sobre o real mérito de nossa atitude extremada. Facilmente nos desvencilhamos daqueles que nos infligem mal declaradamente, mas daqueles que ocultam o mal sob elogios e afagos ao nosso ego e ao status social que gostaríamos de gozar, como podemos nos defender?
A maioria da população possui um conhecimento limitado a respeito das coisas. Qualquer um concorda com isso. No entanto, ninguém concorda que esteja inserido dentro desta maioria. Podemos comparar esta situação com na leitura do Mito da Caverna, de Platão, que sempre lemos na crença de que somos como o prisioneiro liberto e esclarecido, e nunca como aquele que permanece na escuridão da ignorância, rejeitando quem verdadeiramente vem nos oferecer um caminho para sair da caverna das ilusões. Descartes, sabiamente disse que “o bom senso é a coisa mais bem distribuída de todas. Todos acham que a possuem em quantidade suficiente e ninguém acha que precisa obter mais”. Certamente ele deve ter dito isto com a intenção de debochar da nossa suposição de estarmos certos em tudo o que fazemos, pois dificilmente alguém acha que precise ter mais noção das coisas do que já tem. Todos querem mais dinheiro, conhecimento, reconhecimento, tudo. Menos ter mais bom senso. Este nos parece estar sempre...
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