Pular para o conteúdo principal

A medida do respeito

É muito comum ouvirmos as pessoas dizerem que respeitam os outros na medida em que esses outros também as respeitam. Isso dá a elas uma noção de reciprocidade, de que o outro deve ser responsável e se conscientizar de que para ser respeitado ele deve primeiro se mostrar digno de receber esse respeito. Alguns até falam em alto e bom som: “quem não se dá ao respeito não merece ser respeitado”.
Contudo, essa mentalidade não tarda a apresentar complicações. Primeiro, por estarmos sempre esperando que o outro nos demonstre motivos para que possamos dedicar-lhe algum respeito; caso contrário, não o respeitamos. Se exigimos do outro um pré-requisito além do fato dele ser um ser humano assim como nós, que provavelmente deseja ser respeitado na mesma medida em que nós desejamos e também espera de nós alguma atitude inicial considerada digna de respeito, acabamos por criar uma atitude defensiva e restritiva, que no fundo tende mais a afastar o convívio pacífico do que realmente ajudar a proporcioná-lo.
Uma atitude de extremo mau gosto relacionada a esse tipo de pensamento é vista com freqüência nas ruas quando alguma menina passa com uma roupa curta e os homens mexem com ela e lhe dizem coisas que a mesma considera desagradáveis. A reação mais comum mesmo por parte das outras mulheres é dizer que ela deveria se dar ao respeito, e que se estivesse se vestindo de forma “adequada” isso não aconteceria. E chegam mesmo ao ponto de dizerem que a mulher é que foi oferecida e não que os homens lhe desacataram.
Fala-se muito hoje em dia da crise dos valores e da decadência dos velhos padrões que dirigiam a nossa sociedade. Mas se esses velhos valores perderam sua boa parte de sua força, alguns antigos preconceitos estão ainda bem vivos nas mentes e nas palavras tanto de velhos como também dos mais novos, reproduzindo uma forma de pensar e agir que já deveria ter caducado há muito tempo, pois depois de tantas conquistas em diversos aspectos, ainda vemos que a mentalidade machista que sempre imperou na nossa sociedade ainda continua praticamente intacta em velhos e novos, homens e mulheres. Algumas coisas parecem que simplesmente não mudam.
E esse é apenas um exemplo, entre tantos possíveis, onde a vontade que se tem de que o outro tome a iniciativa, que o outro se mostre digno de alguma consideração da minha parte faz com que as desavenças entre as pessoas só aumente. Queremos um mundo melhor, mas sempre estamos esperando que o mundo nos dê toda a certificação possível de que vai reconhecer o nosso esforço, que o mundo nos ofereça um tapete vermelho para que possamos caminhar entre ovações enquanto ajudamos de alguma forma. E como isso não acontece, reclamamos da vida e falamos mal dos outros, que não nos dão motivos para que possamos exercer o nosso respeito e nem se mostram aptos a ganhar a nossa consideração.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que o diferente incomoda?

Vivemos em um mundo globalizado, nitidamente multicultural, multifacetado, onde diversas perspectivas e visões de mundo interagem o tempo todo. Convivemos o tempo todo com pessoas que possuem gostos, preferências, ideias, visões de mundo muito diferentes das nossas e muitas vezes até batemos no peito para enfatizar a “beleza” dessa diferença entre as pessoas. Mas será que esse discurso de exaltação da diferença é mesmo genuíno? A diferença é para nós o tempero que deixa a vida mais saborosa ou aquilo que justamente amarga as nossas bocas e nos tira o bom humor? Quando se pensa nas intermináveis guerras de torcida, acusações entre as igrejas e seus membros sobre qual seria a “mais verdadeira”, a que não “serve ao inimigo”, e outras alegações afins, nos partidos políticos que não se entendem e elevam suas divergências para além do bem da população pela qual deveriam zelar, além de outros tipos de preconceitos quanto ao gosto musical, estilo de se vestir, classe social, cor de pele, orie...

Refletir, tarefa difícil

Nossos pensamentos nos vêm à mente mesmo sem nos darmos conta deles. Por isso, quando se trata de pensar de maneira crítica sobre as coisas, principalmente nos dias tão conturbados em que vivemos, achamos que rapidamente seremos capazes de encontrar uma saída fácil e rápida para aquilo que nos aflige. Engano. A reflexão exige um desdobramento que nem todos se encorajam realmente a fazer. Questionar é enfrentar problemas, desenterrar fantasmas e encarar nossas próprias limitações. O homem não reflete por prazer e sim para solucionar questões que o afligem, por isso a atitude reflexiva apesar de parecer algo simples, nos causa tanto desconforto e a maioria prefere não fazê-la constantemente. Alguns a evitam a qualquer custo. Quem se dedica a essa atividade seja por hobby ou profissão é considerado um sobre-humano ou alguém com algum tipo de problema. Desta forma, rapidamente vemos que as pessoas tendem a aceitar soluções “mágicas” oferecidas por qualquer oportunista em vez de assum...

Vivendo de passado

É interessante perceber como boa parte das pessoas ao sentirem-se oprimidas ou receosas quanto ao presente ou ao futuro sempre acabam por se refugiar no passado. O futuro é incerto, o presente muitas vezes é desfavorável, mas o passado já aconteceu, não pode mais voltar, e quando ele não nos traz boas recordações pode facilmente ser moldado consciente ou inconscientemente para se adequar às nossas expectativas e nos parecer melhor do que foi realmente. Refugiar-se no passado oferece segurança e consolo para aqueles que têm medo de encarar a vida e seus percalços, pois no passado encontram uma zona de conforto, onde os acontecimentos desagradáveis podem ser repensados e melhorados de forma a parecer que não foram tão ruins assim, que serviram de aprendizado, que de alguma forma se justificam e que o passado foi bem melhor do que os dias atuais ou mais sólido do que as perspectivas voláteis do futuro. Com base nessa forma de pensar passam a exaltar os antigos amores, o comportamento do...