Pular para o conteúdo principal

Deus preso na relação de causa e efeito

É impressionante como ainda hoje presenciamos constantemente um tipo de raciocínio sobre a tal “justiça divina” e a forma como Deus costuma reagir quando alguém ousa afrontá-Lo. Desde velhos exemplos, como o do navio Titanic ou de John Lennon até outros mais recentes, mas com um roteiro muito parecido, impressiona como as pessoas se comprazem em contar essas histórias, declamá-las no rádio, enviá-las pela Internet, informando assim aos desavisados que “com Deus não se brinca”.
Percebe-se aqui como os indivíduos possuem uma dificuldade em aceitar qualquer ponto de vista discrepante daquilo já tido como parte integrante de suas convicções e ponto fundamental de suas existências. Pois diante de qualquer ameaça àquilo que se possui como fundamental para o seu discurso existencial, a reação é rechaçar prontamente e, para dar um ar ainda mais ameaçador para os que atentam contra essas convicções, projeta-se o sentimento de vingança e intimidação não aos meios que eles próprios empregarão para evitar as afrontas feitas, mas aos meios que o próprio Deus usará para cobrar a blasfêmia recebida.
Com isso cria-se um paradoxo entre o consenso de que Deus é amor e a ideia de que ao mesmo tempo está sempre atento para atropelar com força desproporcional qualquer pobre mortal que atravesse o seu caminho, da mesma forma como faziam os vaidosos deuses gregos. Aliás, às vezes é difícil distinguir se estão falando de Deus ou de Zeus. Talvez, sob essa perspectiva, Deus seja apenas o nome dado ao desejo de vingança reprimido do homem.
Não pretendo com isso fazer teologia, ou entrar em meandros que não sejam da minha alçada, mas há que se atentar para o fato de essa relação de causa e efeito é algo demasiado humano para ser atribuído a Deus. E, para pensar um pouco mais a fundo a questão, como podemos afirmar algo sobre o nosso conhecimento sobre Deus e mesmo prever suas reações se ainda nem conseguimos responder aquela antiga e incômoda pergunta: “quem sou eu?” Talvez quando a solucionarmos saberemos realmente até onde estamos falando Dele e até onde é a nossa própria vontade, medo, ressentimento e tudo o mais que estamos projetando nesse nome tão vago, e por isso mesmo tão “recheável” dos mais variados atributos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Por que o diferente incomoda?

Vivemos em um mundo globalizado, nitidamente multicultural, multifacetado, onde diversas perspectivas e visões de mundo interagem o tempo todo. Convivemos o tempo todo com pessoas que possuem gostos, preferências, ideias, visões de mundo muito diferentes das nossas e muitas vezes até batemos no peito para enfatizar a “beleza” dessa diferença entre as pessoas. Mas será que esse discurso de exaltação da diferença é mesmo genuíno? A diferença é para nós o tempero que deixa a vida mais saborosa ou aquilo que justamente amarga as nossas bocas e nos tira o bom humor? Quando se pensa nas intermináveis guerras de torcida, acusações entre as igrejas e seus membros sobre qual seria a “mais verdadeira”, a que não “serve ao inimigo”, e outras alegações afins, nos partidos políticos que não se entendem e elevam suas divergências para além do bem da população pela qual deveriam zelar, além de outros tipos de preconceitos quanto ao gosto musical, estilo de se vestir, classe social, cor de pele, orie...

A "verdadeira história" e a lacração da extrema direita

 Ultimamente a extrema direita percebeu um fato importante, não há comprovação factual ou registros daquilo que eles propagandeiam pela internet aos altos brados, como se se tratassem de verdades reveladas e que de tão preciosas foram propositalmente escondidas dos olhos do grande público. São fatos que supostamente confirmariam todo o seu rosário de alegações, a prova de toda a farsa que supostamente a esquerda teria enfiado nos livros de História e que passaria a limpo o Brasil, trazendo uma nova luz e uma perspectiva totalmente revisada de todo o conhecimento construído, propagado e tomado como verdade tanto pela academia como pelas pessoas comuns. No entanto, um fator interessante se coloca. Ninguém sabe apontar onde estaria essa tão importante fonte de provas que provocaria a reviravolta tão anunciada. Sempre que é feita a indagação a respeito desse ponto as respostas são sempre evasivas e sem fundamentação. Geralmente se diz que a esquerda distorceu os fatos e que construiu u...

O orgulho da burrice

A maioria da população possui um conhecimento limitado a respeito das coisas. Qualquer um concorda com isso. No entanto, ninguém concorda que esteja inserido dentro desta maioria. Podemos comparar esta situação com na leitura do Mito da Caverna, de Platão, que sempre lemos na crença de que somos como o prisioneiro liberto e esclarecido, e nunca como aquele que permanece na escuridão da ignorância, rejeitando quem verdadeiramente vem nos oferecer um caminho para sair da caverna das ilusões. Descartes, sabiamente disse que “o bom senso é a coisa mais bem distribuída de todas. Todos acham que a possuem em quantidade suficiente e ninguém acha que precisa obter mais”. Certamente ele deve ter dito isto com a intenção de debochar da nossa suposição de estarmos certos em tudo o que fazemos, pois dificilmente alguém acha que precise ter mais noção das coisas do que já tem. Todos querem mais dinheiro, conhecimento, reconhecimento, tudo. Menos ter mais bom senso. Este nos parece estar sempre...